Filha de imigrantes japoneses, Clara Terko Takaki Brandão formou-se em medicina pela USP em 1969. Seis anos após, criou a multimistura e o programa alimentar contra a desnutrição, adotados pela Pastoral da Criança e hoje presentes em todo o Brasil e mais 15 países da América Latina, África e Ásia. A convite do Sindicato dos Traba-
lhadores Rurais de Caxias do Sul e Regional Serra, ela está na região para eventos com merendeiras e agricultoras da 3ª Légua (dia 22), com trabalhadoras rurais de Caxias (23, às 13h30, em Fazenda Souza), em Garibaldi (24) e no Centro Diocesano, em Caxias (25, às 9 horas). Na semana passada, ela atendeu, por telefone, de Brasília, aonde mora, ao editor-chefe Ibanor Sartor. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Correio Riograndense - O que é mais importante saber e seguir para uma boa alimentação?
Clara Brandão - As pessoas devem entender que não existe uma comida para rico e outra para pobre. O seu corpo não sabe o quanto você ganha. Seria bom poder decidir: neste ano precisamos trocar o telhado da casa e, por isso, não vamos comer. Mas não existe essa possibilidade. O que o seu corpo necessita independe do que você pode comprar. Agora, é importante que você saiba que tem alimentos muito ricos e que são disponíveis. Porque comer melhor não significa comer caro. Usar arroz e trigo integrais, cevadinha, não é caro. Há “n” opções.
CR - A multimistura tem quase 40 anos e ainda é uma opção barata que salva vidas. Qual a grande vantagem em utilizá-la?
Clara Brandão - A multimistura é um concentrado de minerais e vitaminas. O metabolismo dos hidratos de carbono, das gorduras e das proteínas só acontece na presença de minerais e vitaminas. Quando você tem deficiência, precisa usar uma quantidade maior de alimentos para conseguir a mesma quantidade desses minerais e vitaminas essenciais. Com a monocultura, você reduz dramaticamente a quantidade de minerais do solo. Então, a grande vantagem de você usar o farelo, a folha da mandioca, as sementes - em particular o gergelim - é que você concentra os nutrientes que faltam. O resultado é muito positivo e rápido em função disso.
CR - A senhora tem como dimensionar os benefícios já produzidos?
Clara Brandão - O maior benefício visível e palpável foi na década de 70, quando começamos o trabalho (1975), e nas décadas de 80 e 90, quando a desnutrição era muito grave no país. Você tinha um círculo vicioso da fome, com anemia, infecção e desnutrição. Isso era contínuo. O que a Pastoral da Criança fez? Como a diarreia é uma doença que baixa imunidade, ela começou a reagir com o soro caseiro, que previne a desidratação. O que previne a diarreia é melhorar a imunidade, o que pode ser obtido com um alimento simples, ao qual todo mundo tem acesso. Isso é bem viável, sustentável inclusive. A multimistura está no Brasil inteiro e em outros 15 países em função da rapidez dos resultados e da sustentabilidade, porque você não precisa comprar, você precisa aprender a fazer e passar a usar. Um programa que uma única pessoa começou a divulgar na década de 70 já beneficiou milhares de crianças e adultos.
CR - O que essa alimentação pode mudar na vida da pessoa?
Clara Brandão - Hoje falamos em nutrigenômica, nutrigenética, epigenética... Eu não posso mudar aquilo que você recebeu no momento da fecundação, o patrimônio genético. O que se pode mudar é a expressão genética, como ela se manifesta. Principalmente através da alimentação, uso de agrotóxicos, de drogas, metais pesados, pela alteração no meio ambiente... Entre as crianças desnutridas que atendemos desde os anos 1970, nunca tivemos um óbito sequer. Mais importante do que isso: elas aprenderam a ler, escrever..., várias terminaram o terceiro grau. Temos professor universitário com mestrado que foi uma criança desnutrida. Isso é inédito no mundo.
CR - Há 40 anos os níveis de desnutrição eram bastante elevados. Hoje, como estão?
Clara Brandão - Reduziram muitíssimo, devido a benefícios como a melhora da rede de saúde, programas de suplementação alimentar e essas rendas todas oferecidas - renda família, bolsa isso, bolsa aquilo. O acesso ao alimento melhorou incrivelmente. Mas em muitos locais, pelo interior, continua sério o problema. Não só da desnutrição, mas principalmente da infecção. E não é só em criança. Por exemplo: uma mulher que tem níveis normais de vitamina A, ferro, cálcio e zinco, ela não tem os sintomas típicos da gravidez, o trabalho de parto acelera, você reduz dramaticamente a hemorragia pós parto, que é a segunda causa de morte da mulher grávida no Brasil. Não nasce criança denutrida, a mulher não tem fissura de seio, a mãe tem muito leite... em função de uma alimentação correta, fundamentalmente com minerais e vitaminas, essenciais para que esses processos ocorram.
CR - A memória alimentar é determinante nesse caso?
Clara Brandão - Eu começo a fazer a memória alimentar com a criança. Aos seis meses ela não tem desenvolvido ainda o paladar e o olfato. Por que então se dá um biscoito e não se dá uma folha de radicci ao filho de seis meses? Se você começar a ensinar desde o início essas coisas, ele vai aprender a comer.
CR - Como ensinar?
Clara Brandão - Nós utilizamos dois programas. Um se chama “criança para criança”, porque em toda a cultura a criança maior cuida da menor, e outro de idosos. Se perguntarmos a uma pessoa de 80 anos o que ela comia de manhã quando era criança, ela vai responder: uma polentinha que a minha mãe deixava feita à noite e de manhã era assada. Hoje não se come isso. Mas se o vovô e a vovó fizerem, o neto come.
CR - As pessoas têm consciência dos males que os “fast food” causam?
Clara Brandão - Têm consciência, mas não tomam atitude porque é muito mais fácil. Não se dão conta do que custa uma doença. Uma cesária demora mais e tem mais risco de infecção no hospital. Por que não pode ser parto normal? Hoje o mais importante não é o dinheiro. É qual informação você tem e como você faz uso dela.
CR - Pode dar um exemplo prático?
Clara Brandão - Se você vai fazer o aniversário do seu filho, não precisa contratar ninguém. Chama seis, sete crianças e diz: vamos fazer a festa. Aí você coloca no docinho a massa da banana, você faz os sucos naturais... Não é para mostrar para todo o mundo que você tem condições.
lhadores Rurais de Caxias do Sul e Regional Serra, ela está na região para eventos com merendeiras e agricultoras da 3ª Légua (dia 22), com trabalhadoras rurais de Caxias (23, às 13h30, em Fazenda Souza), em Garibaldi (24) e no Centro Diocesano, em Caxias (25, às 9 horas). Na semana passada, ela atendeu, por telefone, de Brasília, aonde mora, ao editor-chefe Ibanor Sartor. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Correio Riograndense - O que é mais importante saber e seguir para uma boa alimentação?
Clara Brandão - As pessoas devem entender que não existe uma comida para rico e outra para pobre. O seu corpo não sabe o quanto você ganha. Seria bom poder decidir: neste ano precisamos trocar o telhado da casa e, por isso, não vamos comer. Mas não existe essa possibilidade. O que o seu corpo necessita independe do que você pode comprar. Agora, é importante que você saiba que tem alimentos muito ricos e que são disponíveis. Porque comer melhor não significa comer caro. Usar arroz e trigo integrais, cevadinha, não é caro. Há “n” opções.
CR - A multimistura tem quase 40 anos e ainda é uma opção barata que salva vidas. Qual a grande vantagem em utilizá-la?
Clara Brandão - A multimistura é um concentrado de minerais e vitaminas. O metabolismo dos hidratos de carbono, das gorduras e das proteínas só acontece na presença de minerais e vitaminas. Quando você tem deficiência, precisa usar uma quantidade maior de alimentos para conseguir a mesma quantidade desses minerais e vitaminas essenciais. Com a monocultura, você reduz dramaticamente a quantidade de minerais do solo. Então, a grande vantagem de você usar o farelo, a folha da mandioca, as sementes - em particular o gergelim - é que você concentra os nutrientes que faltam. O resultado é muito positivo e rápido em função disso.
CR - A senhora tem como dimensionar os benefícios já produzidos?
Clara Brandão - O maior benefício visível e palpável foi na década de 70, quando começamos o trabalho (1975), e nas décadas de 80 e 90, quando a desnutrição era muito grave no país. Você tinha um círculo vicioso da fome, com anemia, infecção e desnutrição. Isso era contínuo. O que a Pastoral da Criança fez? Como a diarreia é uma doença que baixa imunidade, ela começou a reagir com o soro caseiro, que previne a desidratação. O que previne a diarreia é melhorar a imunidade, o que pode ser obtido com um alimento simples, ao qual todo mundo tem acesso. Isso é bem viável, sustentável inclusive. A multimistura está no Brasil inteiro e em outros 15 países em função da rapidez dos resultados e da sustentabilidade, porque você não precisa comprar, você precisa aprender a fazer e passar a usar. Um programa que uma única pessoa começou a divulgar na década de 70 já beneficiou milhares de crianças e adultos.
CR - O que essa alimentação pode mudar na vida da pessoa?
Clara Brandão - Hoje falamos em nutrigenômica, nutrigenética, epigenética... Eu não posso mudar aquilo que você recebeu no momento da fecundação, o patrimônio genético. O que se pode mudar é a expressão genética, como ela se manifesta. Principalmente através da alimentação, uso de agrotóxicos, de drogas, metais pesados, pela alteração no meio ambiente... Entre as crianças desnutridas que atendemos desde os anos 1970, nunca tivemos um óbito sequer. Mais importante do que isso: elas aprenderam a ler, escrever..., várias terminaram o terceiro grau. Temos professor universitário com mestrado que foi uma criança desnutrida. Isso é inédito no mundo.
CR - Há 40 anos os níveis de desnutrição eram bastante elevados. Hoje, como estão?
Clara Brandão - Reduziram muitíssimo, devido a benefícios como a melhora da rede de saúde, programas de suplementação alimentar e essas rendas todas oferecidas - renda família, bolsa isso, bolsa aquilo. O acesso ao alimento melhorou incrivelmente. Mas em muitos locais, pelo interior, continua sério o problema. Não só da desnutrição, mas principalmente da infecção. E não é só em criança. Por exemplo: uma mulher que tem níveis normais de vitamina A, ferro, cálcio e zinco, ela não tem os sintomas típicos da gravidez, o trabalho de parto acelera, você reduz dramaticamente a hemorragia pós parto, que é a segunda causa de morte da mulher grávida no Brasil. Não nasce criança denutrida, a mulher não tem fissura de seio, a mãe tem muito leite... em função de uma alimentação correta, fundamentalmente com minerais e vitaminas, essenciais para que esses processos ocorram.
CR - A memória alimentar é determinante nesse caso?
Clara Brandão - Eu começo a fazer a memória alimentar com a criança. Aos seis meses ela não tem desenvolvido ainda o paladar e o olfato. Por que então se dá um biscoito e não se dá uma folha de radicci ao filho de seis meses? Se você começar a ensinar desde o início essas coisas, ele vai aprender a comer.
CR - Como ensinar?
Clara Brandão - Nós utilizamos dois programas. Um se chama “criança para criança”, porque em toda a cultura a criança maior cuida da menor, e outro de idosos. Se perguntarmos a uma pessoa de 80 anos o que ela comia de manhã quando era criança, ela vai responder: uma polentinha que a minha mãe deixava feita à noite e de manhã era assada. Hoje não se come isso. Mas se o vovô e a vovó fizerem, o neto come.
CR - As pessoas têm consciência dos males que os “fast food” causam?
Clara Brandão - Têm consciência, mas não tomam atitude porque é muito mais fácil. Não se dão conta do que custa uma doença. Uma cesária demora mais e tem mais risco de infecção no hospital. Por que não pode ser parto normal? Hoje o mais importante não é o dinheiro. É qual informação você tem e como você faz uso dela.
CR - Pode dar um exemplo prático?
Clara Brandão - Se você vai fazer o aniversário do seu filho, não precisa contratar ninguém. Chama seis, sete crianças e diz: vamos fazer a festa. Aí você coloca no docinho a massa da banana, você faz os sucos naturais... Não é para mostrar para todo o mundo que você tem condições.
Ora-pro-nobis |
CR - Como aderir ao programa?
Clara Brandão - A pessoa pode comprar ou produzir a multimistura. Ela vai usar 70% de farelo, de preferencia o de arroz - além de ser mais rico, não provoca alergia, não tem glúten -; 15% de folha de mandioca - que é uma fonte riquíssima de nutriente, em especial vitamina A, ferro, zinco e complexo B, e tem também selênio. Completam a receita 15% de semente, de preferência o gergelim, pela quantidade de cálcio - o gergelim tem 10 vezes mais cálcio que o leite.
CR - Qual seria o similar mais próximo do gergelim?
Clara Brandão - Semente de abóbora, folhas verdes escuras e cereais integrais. No Rio Grande do Sul vocês têm tudo isso. O gergelim dá bem ali e vocês têm outras sementes, como a pecam (noz), por exemplo. Têm ainda muita semente de abóbora, boa fonte de cálcio e de proteína, que quase não é usada. Por outro lado, vocês já têm hábito de comer verduras, como o radicci - só que colocam torresmo.
CR - Preocupa o desperdício de alimentos num país com milhões de subnutridos?
Clara Brandão - Olha, as subnutridas nem me preocupam muito. O que me preocupa mais é a escalada da violência, da falta de atenção, da agressividade, do uso de drogas... O Brasil é um dos campeões em cesária, no uso de medicamento para reduzir hipertensão, insônia e colesterol alto... quando você pode, através da alimentação, suprir a maior parte desses problemas. Quanta gente tem o intestino preso, mau humor... vem sempre com um rosário de desgraças, vê tudo em branco e preto. Às vezes você tira o trigo ou o leite, ou os dois, a pessoa muda de vida, começa a enxergar tudo cor de rosa.
CR - A senhora recomenda o consumo de inços. Pode explicar?
Clara Brandão - São riquíssimos em nutrientes. Se você plantar um canteiro de alface, daqui a um mês todas terão o mesmo tamanho. Mas se cair uma geada ou se der uma enchente, não sobra um pé. Agora, se você for ver a serralha, a língua-de-vaca, a beldroega, a marianica ... O que acontece? Brota tudo de novo. Por que? Elas são diferentes, elas são melhores, nutricionalmente superiores. Vocês precisam aprender a usar todos esses inços. O seu intestino começa a funcionar melhor, você dorme melhor, começa a desintoxicar... A natureza é tão sábia que tem vários nutrientes - e eles estão todos na multimistura - que ajudam não a retirar os metais pesados que você já incorporou no seu corpo (chumbo, mercúrio, níquel...), mas a reduzir o volume de metais pesados que você vai ingerir se fizer a mistura correta.
CR - Como escolher os inços?
Clara Brandão - É fácil. As pessoas idosas da comunidade, os índios, os quilombolas, conhecem todos. É conversar com eles e aprender quais são as preparações e acrescentar na sopa, no feijão... Então, ao invés de comer uma salada de alface e tomate, você vai botar hortelã, cebolinha, salsa, vinagre. Vocês usam aí um vinagre de vinho maravilhoso, porque tudo que é fermentado aumenta o complexo B, fundamental na nutrição do sistema nervoso todo.
CR - Por que as feiras do agricultor estão encolhendo ou sendo desativadas?
Clara Brandão - Porque não damos o devido valor. Você tem de levar seu filho para criar uma cultura. Ele tem que ir ao campo, ver como planta, sentir o sofrimento do pequeno produtor para entender. Hoje a criança não sabe nem o que é uma ‘penosa’. No Japão, os adultos levam os netos para conhecer como é a vida na roça. Por outro lado, se houver uma criança apenas na propriedade rural ou na comunidade, um professor se deslocará até ela para dar aulas. É para manter as pessoas no campo produzindo alimentos com qualidade. Nós não temos essa noção.
CR - E como se adquire isso?
Clara Brandão - Levando este tema à escola, resgatando junto à Emater e a ONGs receitas e festas. Temos que trazer de volta, por exemplo, a festa do tremoço, aquele feijão amarelo, vendido em conserva, para recuperar essa cultura.
CR - Está ocorrendo o inverso?
Clara Brandão - Estão sendo promovidas só festas que incentivam bebida alcoólica. É preciso introduzir tudo o que as colônias faziam antigamente. O chucrute, por exemplo, está perdido. E o chucrute, além de ser feito com uma planta muito importante anticâncer, como é fermentado ele aumenta o complexo B e reduz a prevalência, entre outras, da doença de hansen, a lepra. Melhora muito também o combate ao alzheimer, ao mal de Parkinson. Mas você tem de usar a vida inteira.
CR - Quais são os piores vícios da dieta do brasileiro?
Clara Brandão - O pior é ir ao supermercado, porque tudo que é industrializado tem aditivo químico. São mais de três mil e eles alteram o comportamento, a contaminação com metais pesados etc... e provocam a deficiência de minerais e vitaminas. No Sul, aonde é grande o consumo de leite e derivados, não devia ter osteoporose. Mas é um dos locais de maior prevalência. Outra coisa é bebida alcoólica. Quando você tem vitamina B1 e zinco na dieta, você reduz a necessidade de drogas, em particular do álcool.
CR - E a carne vermelha?
Clara Brandão - Não faz mal se, por exemplo, oferecer junto com a salada uma farofa especial. Se num churrasco uma pessoa consome em média 700 gramas de carne e eu oferecer uma farofa feita com farelo, farinha de mandioca, farinha de milho, folhas de mandioca e gergelim, esta pessoa não comerá a metade da carne que está habituada a consumir. E você tem que oferecer fruta também.
CR - Quais as mais indicadas e em que proporção?
Clara Brandão - Olha, você só não consegue comer e beber o que não tem. O Sul produz frutas maravilhosas, mas você não vai em uma casa que sirvam fruta seca, desidratada. Oferecem o doce.
CR - Isso ocorre também em restaurantes...
Clara Brandão - Você vai tomar café num restaurante e colocam na mesa o presunto, o queijo prato... Por que não põem o queijo da colônia, o salaminho que vocês fazem? Aí oferecem a batata. Por que não a mandioca, o único produto orgânico que dá no país inteiro e segura o pequeno produtor no campo? Você pode ver por sua alimentação: quantas vezes come mandioca e quantas come batata? Se você faz nhoque de batata, por que não fazer de mandioca?
CR - A qualidade da alimentação depende do dinheiro?
Clara Brandão - Já disse: você come e bebe o que tem. Se você vier à minha casa e só tiver pão branco, qual pão vai comer? O Jobs (Steve Jobs, 1955-2011, fundador da Apple) falou: vocês não sabem o que querem, eu é que tenho de mostrar o que gostariam de ter. Essa é a questão.
Clara Brandão - A pessoa pode comprar ou produzir a multimistura. Ela vai usar 70% de farelo, de preferencia o de arroz - além de ser mais rico, não provoca alergia, não tem glúten -; 15% de folha de mandioca - que é uma fonte riquíssima de nutriente, em especial vitamina A, ferro, zinco e complexo B, e tem também selênio. Completam a receita 15% de semente, de preferência o gergelim, pela quantidade de cálcio - o gergelim tem 10 vezes mais cálcio que o leite.
CR - Qual seria o similar mais próximo do gergelim?
Clara Brandão - Semente de abóbora, folhas verdes escuras e cereais integrais. No Rio Grande do Sul vocês têm tudo isso. O gergelim dá bem ali e vocês têm outras sementes, como a pecam (noz), por exemplo. Têm ainda muita semente de abóbora, boa fonte de cálcio e de proteína, que quase não é usada. Por outro lado, vocês já têm hábito de comer verduras, como o radicci - só que colocam torresmo.
CR - Preocupa o desperdício de alimentos num país com milhões de subnutridos?
Clara Brandão - Olha, as subnutridas nem me preocupam muito. O que me preocupa mais é a escalada da violência, da falta de atenção, da agressividade, do uso de drogas... O Brasil é um dos campeões em cesária, no uso de medicamento para reduzir hipertensão, insônia e colesterol alto... quando você pode, através da alimentação, suprir a maior parte desses problemas. Quanta gente tem o intestino preso, mau humor... vem sempre com um rosário de desgraças, vê tudo em branco e preto. Às vezes você tira o trigo ou o leite, ou os dois, a pessoa muda de vida, começa a enxergar tudo cor de rosa.
CR - A senhora recomenda o consumo de inços. Pode explicar?
Clara Brandão - São riquíssimos em nutrientes. Se você plantar um canteiro de alface, daqui a um mês todas terão o mesmo tamanho. Mas se cair uma geada ou se der uma enchente, não sobra um pé. Agora, se você for ver a serralha, a língua-de-vaca, a beldroega, a marianica ... O que acontece? Brota tudo de novo. Por que? Elas são diferentes, elas são melhores, nutricionalmente superiores. Vocês precisam aprender a usar todos esses inços. O seu intestino começa a funcionar melhor, você dorme melhor, começa a desintoxicar... A natureza é tão sábia que tem vários nutrientes - e eles estão todos na multimistura - que ajudam não a retirar os metais pesados que você já incorporou no seu corpo (chumbo, mercúrio, níquel...), mas a reduzir o volume de metais pesados que você vai ingerir se fizer a mistura correta.
CR - Como escolher os inços?
Clara Brandão - É fácil. As pessoas idosas da comunidade, os índios, os quilombolas, conhecem todos. É conversar com eles e aprender quais são as preparações e acrescentar na sopa, no feijão... Então, ao invés de comer uma salada de alface e tomate, você vai botar hortelã, cebolinha, salsa, vinagre. Vocês usam aí um vinagre de vinho maravilhoso, porque tudo que é fermentado aumenta o complexo B, fundamental na nutrição do sistema nervoso todo.
CR - Por que as feiras do agricultor estão encolhendo ou sendo desativadas?
Clara Brandão - Porque não damos o devido valor. Você tem de levar seu filho para criar uma cultura. Ele tem que ir ao campo, ver como planta, sentir o sofrimento do pequeno produtor para entender. Hoje a criança não sabe nem o que é uma ‘penosa’. No Japão, os adultos levam os netos para conhecer como é a vida na roça. Por outro lado, se houver uma criança apenas na propriedade rural ou na comunidade, um professor se deslocará até ela para dar aulas. É para manter as pessoas no campo produzindo alimentos com qualidade. Nós não temos essa noção.
CR - E como se adquire isso?
Clara Brandão - Levando este tema à escola, resgatando junto à Emater e a ONGs receitas e festas. Temos que trazer de volta, por exemplo, a festa do tremoço, aquele feijão amarelo, vendido em conserva, para recuperar essa cultura.
CR - Está ocorrendo o inverso?
Clara Brandão - Estão sendo promovidas só festas que incentivam bebida alcoólica. É preciso introduzir tudo o que as colônias faziam antigamente. O chucrute, por exemplo, está perdido. E o chucrute, além de ser feito com uma planta muito importante anticâncer, como é fermentado ele aumenta o complexo B e reduz a prevalência, entre outras, da doença de hansen, a lepra. Melhora muito também o combate ao alzheimer, ao mal de Parkinson. Mas você tem de usar a vida inteira.
CR - Quais são os piores vícios da dieta do brasileiro?
Clara Brandão - O pior é ir ao supermercado, porque tudo que é industrializado tem aditivo químico. São mais de três mil e eles alteram o comportamento, a contaminação com metais pesados etc... e provocam a deficiência de minerais e vitaminas. No Sul, aonde é grande o consumo de leite e derivados, não devia ter osteoporose. Mas é um dos locais de maior prevalência. Outra coisa é bebida alcoólica. Quando você tem vitamina B1 e zinco na dieta, você reduz a necessidade de drogas, em particular do álcool.
CR - E a carne vermelha?
Clara Brandão - Não faz mal se, por exemplo, oferecer junto com a salada uma farofa especial. Se num churrasco uma pessoa consome em média 700 gramas de carne e eu oferecer uma farofa feita com farelo, farinha de mandioca, farinha de milho, folhas de mandioca e gergelim, esta pessoa não comerá a metade da carne que está habituada a consumir. E você tem que oferecer fruta também.
CR - Quais as mais indicadas e em que proporção?
Clara Brandão - Olha, você só não consegue comer e beber o que não tem. O Sul produz frutas maravilhosas, mas você não vai em uma casa que sirvam fruta seca, desidratada. Oferecem o doce.
CR - Isso ocorre também em restaurantes...
Clara Brandão - Você vai tomar café num restaurante e colocam na mesa o presunto, o queijo prato... Por que não põem o queijo da colônia, o salaminho que vocês fazem? Aí oferecem a batata. Por que não a mandioca, o único produto orgânico que dá no país inteiro e segura o pequeno produtor no campo? Você pode ver por sua alimentação: quantas vezes come mandioca e quantas come batata? Se você faz nhoque de batata, por que não fazer de mandioca?
CR - A qualidade da alimentação depende do dinheiro?
Clara Brandão - Já disse: você come e bebe o que tem. Se você vier à minha casa e só tiver pão branco, qual pão vai comer? O Jobs (Steve Jobs, 1955-2011, fundador da Apple) falou: vocês não sabem o que querem, eu é que tenho de mostrar o que gostariam de ter. Essa é a questão.
Serralha |
CR - Dá mais trabalho preparar uma alimentação mais saudável?
Clara Brandão - Não. Uma das coisas que eu sigo: a alimentação tem que ter alto valor nutritivo, custo baixo, preparo rápido e sabor regionalizado. Você come qualquer coisa desde que tenha um sabor regionalizado. E você não come a coisa mais cara se o sabor for desconhecido. Você pode até provar, mas não vai me dizer que gostou.
Clara Brandão - Não. Uma das coisas que eu sigo: a alimentação tem que ter alto valor nutritivo, custo baixo, preparo rápido e sabor regionalizado. Você come qualquer coisa desde que tenha um sabor regionalizado. E você não come a coisa mais cara se o sabor for desconhecido. Você pode até provar, mas não vai me dizer que gostou.